Titia botou um casaco laranja-telha, a dizer com todos aqueles olhos de vidro a quase grudarem nos meus: Hoje vamos ao açougue. Misto de excitação com horror. Uma febre no corpo inteiro. Entre aquelas vitrines, aquelas carnes, aqueles cheiros, queria era ficar ali pra sempre. Mesmo ainda sem saber que o para sempre nunca existira. Líquidos a escorrerem fininhos por entre os ralos no chão, meio sangue, meio água, meio detergentes. Gentes a dizer sobre coxas, sobre quilos, sobre gramas. E eu estridente como as facas, a escorrer por entre os moedores.
Pois bem e aqui estamos nós. Eu e você. Nesse passeio onde eu ainda tenho as rédeas da condução. Não, isso não é um passeio com os lobos. Jung que me perdoe meu caro, mas nessa terra quem manda sou eu. E hoje eu resolvi te trazer nesse grande espaço branco, inteiro, pra te conduzir pelo cheiro, e te mostrar como nascem as vísceras. Uma boa dose de ternura, um domar das coisas inteiras, vários olhinhos a percorrerem toda a dimensão do espaço, focinhos quentes, rabos excitados, pêlos a molhar conforme a dança. Jogo nos quadris, ironias cravadas nas unhas a contar sobre os vermes, mãos pesadas em pescoços imobilizados, um arfar delicioso com o gozo de um e um som desesperador do outro. Gosto dos cutelos e das coisas que cortam. Pra poderem assim mostrar as partes que nos cabem nesse latifúndio. De órgãos truncados, de veias sobrepostas, de apostas de quem cede primeiro. Cascos riscam o chão na agonia de uma língua pouco provável de decodificação. Então. Que é para você entender que para falar de vísceras meu bem você tem que partir do processo. Todo. E botar a mão na merda, lutar com outros corpos, separar os pobrezinhos das mães, ficar marcado de tanta luta, tanta labuta, ter cheiro de parto, de pasto, sangrar outros líquidos, estourar os termômetros, chorar meio riso, meio casto, meio asco nesse frenesi de nojos, de desejos, de apelos, de pêlos, de sobrevida.