"Todo desejo é um desejo de morte" (Provérbio chinês)
AUSCHWITZ
De fato sentiu vontade de bater-lhe na cara. Sim, naquela carinha miúda, com resquício de tinta nos lábios, a boca inchada de tentativas frustradas e vis. Mas não conseguia sequer mexer qualquer músculo. Pau murcho entre as pernas dele, sem qualquer proximidade com as pernas dela, que agora se mantinham cruzadas sobre a cama e ele ali em pé não sabendo ao certo o que fazer com todos aqueles tecidos, com a boca, com o pulmão. Desalinho nos cabelos, pernas longas e finas, dois ou três arranhões no joelho esquerdo e umas manchinhas roxas na batata da perna. A boca dele ainda pregada na virilha dela. Dentes no mamilo dele, lentes de aumento nos poros já entupidos de tanta nicotina. E ele dizendo não, não dá, não dá mesmo, me desculpe. Ela chorando baixinho. E ela odiando todos aqueles membros, todas aquelas carnes. Ele querendo amar de novo todas aquelas partes. Onde foi que a gente errou? Em soluços. Onde? E corpo dele no chão, ela no chão, no meio, bem no meio da sala quase vazia. E ele bem que tentou botar a roupa, e ela bem que tentou tirá-la e nesse vai-e-vem de tentativas, já exaustos de tanto, tanto tentar, rendidos, cedidos, corrompidos por um tempo que desgasta, que rompe tecidos, que afrouxa músculos e esvazia a memória, se olharam com aquelas mãos, com aquelas pernas, ela de bruços, tentando esconder uma certa infelicidade. Ela despida de toda verdade. Uma verdade que ele definitivamente não aprendera amar. E então eles entenderam que aquilo não teria fim. Porque mal sabiam o princípio de tanto tormento. De corpos. Ela vira o rosto e abana um sim com a cabeça. Ele entende. E chora. Ela solta uma gargalhada. Ele levanta, fecha todas as portas e janelas. E cortinas. Vai até a cozinha e volta. Senta-se sobre uma das tantas caixas espalhadas pela sala. E a contempla assim de bruços. E sente desejo. E se agacha. E se a-r-r-a-s-t-a. Por entre as pernas dela. Os dedos, a língua, os membros. Todos eretos. Infectos. Do gás. E do cheiro dela. Do gás. E do cheiro dela. Do gás. E do cheiro dela. Do gás. E do cheiro dela. Do gás. E do cheiro dela. Do gás. E do cheiro dela. Do gás. E do cheiro dela. Do gás. E do cheiro dela.Do gás.
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