III - RASCUNHOS DE UMA CANÇÃO DE NINAR (terceira parte)
ENTRE ESPASMOS - UMA TRILOGIA -
Agregado infeliz de sangue e cal, Fruto rubro de carne agonizante, Filho da grande força fecundante De minha brônzea trama neuronial, Que poder embriológico fatal Destruiu, com a sinergia de um gigante, Em tua morfogênese de infante A minha morfogênese ancestral?! Porção de minha plásmica substância, Em que lugar irás passar a infância, Tragicamente anônimo, a feder?! Ah! Possas tu dormir, feto esquecido, Panteisticamente dissolvido Na noumenalidade do NÃO SER!
(Soneto - Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos - Augusto dos Anjos)
Vou escrever assim uma canção em carvão com resto de soro, pra apagar o mau agouro das aves de rapina. E fabricar pequenos espantalhos em tons pastéis e pregá-los nas portas de cada quarto desses a repudiar os males, asas pretas, moscas mortas. Quem sabe entregar charutos a dizer obrigada, muito obrigada, mas ele não vem. E depois sentir olhares tão mesquinhos, quem sabe raivosos a crucificarem viva uma mãe desnaturada que troca o leite por água sanitária, que mente, que forja afetos. E não é isso, nunca é isso, o que eles de fato dizem. Não há nada aqui minha senhora. Nada! E esse sangue eles não vêem? A tilintar entre as pernas, a denunciar o crime e a punição. Não? Eles não vêem, que agora a cega sou eu, afetada e quase santa, que nada fez para tanta punição. Vinde a mim seus calhordas! Que silêncio agora peço eu.
Vou te balançar agora está bem? Só eu e você. Não fique com medo porque o papai não vem. É boneca nos braços, é sim senhor palhaço da boca pintada de tanto batom. Engole mais um pouquinho, engole. Que eu cuido de você. Dorme, dorme, boi, boi, que a cuca vem pegar. Pega não que eu não deixo. E ninguém vai entrar aqui. Só eu e você. Que daqui pra fora é construção de cerco, grade de ferro, eletrochoque. Já disse, aqui ninguém vai entrar. Pelo menos enquanto não tivermos essa conversa. Vem aqui, vem, deixa eu te contar uma coisa. Digam o que te disserem, não acredite neles nunca. Que isso que faço é para o seu bem. Que veneno é vício de gente medíocre, que não sabe o que diz. É deixar parir à torto e direito, e isso sim é fazer pacto com o demo. Não quero isso pra você, acredita no que a mamãe te diz. Agora fecha os olhinhos que já é hora de você dormir. Sono assim levinho, campo livre, quem sabe grama bem verdinha pra você brincar. Que antes quero te dizer só mais uma coisa: que de fato eu seria uma cretina se acreditasse que poderia um dia cuidar das tuas febres, dos teus cadernos, das tuas dores, dos teus confrontos, das tuas remelas e dos teus catarros a escorrer pelas narinas, pedindo xaropes, implorando por termômetros, a remendar cada segundo de tempo, cada joelho esfolado, cada dente quebrado, que de machucados eu não sei lidar. Que ia ser isso todo dia, uma explicação a cada nova sílaba, perguntas infinitas, colo, mamadeira, peito, cuidado com a moleira, que isso eu não dava conta, não ia dar conta, dou não. Mas então dorme, que eu tomo conta. Na minha cabeça mando eu. Vai agora, vai correndo que eu te dou essa alforria, corto a corda, corto o laço que esse cordão de sangue, plasma e fantasia - por mim e por você - me enforco eu. Que essa canção rabiscada pelas falanges e construída a falo e sal, eu canto toda noite, pra você não ficar com medo, mamãe tá olhando,fica não, vai... fica não, fica não.