segunda-feira, novembro 07, 2005 ---


ENDOSCOPIA



Se eu enfiar meu dedinho no seu cú será que você grita? Que eu fico a pensar aqui, do que será que você é feito, se tem carne por dentro que eu agora ando assim bem do lado de fora, sem saber se existe vida após aquele lugar imundo. Que de Constantinopla só sobraram entulhos. Não há mais vestes, nem tantas tropas. Só eu e você depois da batalha, numa quilometragem de dar pena. Tem tanta areia nessas vistas, que mal consigo ver se bate algo aí nas tuas vísceras, e me vêem aqueles instrumentos todos na cabeça porque eu queria mesmo era te vasculhar por dentro. No teu intestino a trafegar lento entre todas as coisas que te alimentam, de ferro e cálcio tuas pernas agüentam, em tubos digestivos tantas folhas batedeiras, nessa região que sempre se esconde, que não se compartilha, eu com malas, trapos e pouca força a pensar antes de qualquer coisa, nessa escatologia que nada tem de porcaria, é amor latente, pensa, é amor que eu quero entender. Porque não basta essa tua literatura se por detrás dessa tua armadura - do maquinário eu não tenho instrução - sou ainda leiga, quase estúpida, que da pia e da latrina você só me mostrou como se cria por fora, na estética, na dança contemporânea, na trepada rasteira, com copo de plástico de café bem doce no dia seguinte. Eu quero é saber como é que funciona, que os teus órgãos pensam sobre mim quando a tua pele tem a sinapse dos meus dedos, que de digitais é só formalidade pra inglês ver. Me mostra então teu fígado, teu baço cansado, aquele pulmão com maços de cigarro, quem sabe uma veiazinha obstruída que eu faço a faxina, tiro o pó, a gordura encardida, boto teus rins de molho, que veja só, depois de tanta batalha, tanto suor e secreção ainda tenho a sensação de ser uma estranha nesse teu corpo-quarto fechado, deixa eu auscultar os teus interiores sem ladainhas, sem frescurinhas, sem monitoração. Pra depois quem sabe a gente deitar junto, lado a lado e eu ainda te fazer um mimo, te enfiar um cateter sobre as costas da mão, nessa veia mais fina, que isso eu conheço como ninguém, porque lá de onde eu venho eles furam a gente inteira, mas aqui não, assim não, é diferente que esse teu sangue aí que tinge de leve a agulha fina é só pra te mostrar que o amor pinica, que faz cosquinha, que não quero mais saber de amor em estetoscópio, nem de ouvido no peito. Eu preciso te conhecer por dentro. Eu preciso saber pra onde eu vou.

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Ainda pra ele: www.quartointeiro.blogspot.com


7:06 PM -

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