É bem verdade, que em dias como hoje, ela cola a cara na janela do quarto, para tentar entender o que se passa do outro lado. Em dia pardo, o céu estourando sobre a sujeira que sai de onde se pisa e voa para algum lugar distante onde se possa esconder o que já não se quer lembrar mais. Um lugar onde ninguém perceba que ali exista dor, raiva e medo. Onde as paredes denunciem todo vermelho e exalem toda indiferença. Onde as árvores já crescidas, sirvam para abafar um choro que perdurará enquanto houver uma fissura visível nesse céu sujo, como que se quisesse arrebentar por inteiro. Talvez ligue o som, bote uma música estourando, decibéis para ensurdecer os ouvidos e calar as vozes dentro da sua cabeça. Talvez ainda escreva para Pedro e poderá lhe contar sobre os tais pesadelos. Um lobo correndo, com a boca cheia de saliva. Um lobo gargalhando e mostrando todos os dentes. O riso da hiena e todas, todas as bocetas desse mundo estão doentes.
Disseram-lhe para rezar aos santos, que pra Deus pedisse ajuda, que ele ameniza cano apontado pra ela, que ele indeniza quem tanto pede, quem tanto cede, quem tanto suplica. Sete dias de joelhos, um terço e nove ave-marias. E o dito cujo de olhos detrás da porta a espreitar o estrago que se faz em corpo presente, em corpo ainda semitalhado pela vida, carolinha de açúcar que derrete na mão quente de marmanjo. Família tranca a porta, pai e mãe nada viram, nada vêem que cegos olhos amenizam as perdas, basta muita água, salmoura para matar os germezinhos, que apaga as digitais, desinfeta os maus pensamentos. Arde, mas cura. E sara. Ah sara, que fé faz até desaparecer gente. E beijam a testa, levam bolo e leite para remendar o coração em caco e o resto do corpo a mãe dá jeito de costurar, de remendar que era a melhor costureira do bairro. Ia ficar bonita assim de bonequinha de pano, um pouco de rouge nas bochechas e fica já com cara de saudável, de menina boa. E ela pensa que se Pedro voltasse logo, quem sabe dava um jeito de parar tanta reza, que ela já não dava conta, se não voltar logo, não sabia do que era capaz, volta, Pedro volta...avisado foi, agora já era, que o terço arrebenta. Seis contas no cano. Pra estourar a porta bem na hora da santa ceia, a rezar agora em alto e bom som em cinco secos tiros: Em nome do pai. Estampido. Da mãe. Estampido. Do filho. Estampido. E da porra daquele santo. Estampido. No meio da própria perna. Amém.