quarta-feira, dezembro 21, 2005 ---

O TEU SILÊNCIO PELO MEU BARULHO

* "Livre resposta" ao texto O Ventre Seco de Raduan Nassar. Ver:
www.releituras.com/i_orlando_rnassar.asp

** Dedicado à Tiago de Macedo (por ter gostado tanto do texto do Raduan), Fernanda Prats e Menorah (as minhas pratas da casa) e Celso Boaventura, Claudinei Vieira, Gerald, Ilídio Soares, Luis Manoel Siqueira, Marcelino Freire e Rubens da Cunha (pelas inspirações, dores, contribuições, afetos, críticas e incentivos).


[...]

Começo pelo meio e arrisco afirmar que você concordará comigo. Antes claro de titubear não sabendo ao certo se abre o envelope, se o joga na lixeira ou ainda se apenas o deixa amarelar sobre a mesa da sala - até o dia em que se surpreenderá de tê-lo achado no meio das tuas memórias.

Mas se também te conheço sei que ao final decidirá por abrir e ler essa carta que será subjugada por você, com o seu olhar crítico e cansado. As pálpebras trêmulas e uma secura na retina, reflexo de uma sabedoria prosaica e desdenhosa. Você Beto, um homem cansado demais para suportar os arroubos da juventude, e que se hoje tripudia sobre ela, é porque é incapaz de absorvê-la. Veja bem, não o culpo, embora pareça.

O teu enjôo e toda essa tua ânsia são na verdade sintomas simplistas de um mal maior: eu. Não que isso signifique qualquer indício de um egocentrismo barato da minha parte, afinal, nunca vali muita coisa e você sabia muito bem disso. Sim, você, com todos os teus conceitos marxistas, com a tua boca cheia de palavras contidas e bem estruturadas, com o seu fino faro para as mulheres cultas e discretas. Não é uma ironia? Não, meu caro, é uma escolha.

E é justamente desse meio que venho tocar com tanto conhecimento de causa. Aliás, os meios. Todos eles. Infecundos, quentes, disseminando os germes, corroendo invisivelmente as carnes e nos deixando doentes de nós mesmos. Caso esteja sendo prolixa, é muito tarde para me corrigir. De fato é muito tarde para tudo.

Mas você bem sabe que eu não ia me calar diante da tua singela carta, vinda como você mesmo citou, de um homem que eu me acostumei a chamar de velho. Não pela matemática da idade, afinal a diferença que nos joga distantes um do outro é justamente a proximidade ilógica de uma frenética como eu - e não apenas aquela minha amiga na qual você se refere com tanto escárnio - com um obscurantista como você.

A tua incapacidade de compreender o que me fez interessar pelo corpo de um velho que agora diz que fez voto de castidade com tanta pungência é na verdade uma desculpa aos teus desejos baratos que eu fui capaz de suprir um a um pelo menos enquanto você ainda tinha forças para tanto. Sim, os teus velhos e nocivos desejos. Mas não estou aqui para ficar remoendo as tuas falhas e tampouco esmiuçando as tuas feridas. Meu sadismo não vai tão longe. Não tanto quanto o teu.

Penso ainda em te dizer que mal consegui controlar o riso, o que na verdade transformou-se em gargalhada, quando li no seu 15° item - só você mesmo para me escrever uma carta enumerando os parágrafos - a sua grande e estúpida revelação. Que a velha ao lado, a quem eu me referia com tanto desprezo era a sua mãe. Pense bem Beto, use a sua boa e velha razão. Posso ser tudo isso que você sugere, mas a minha burrice não é tão profunda. É superficial. Como tudo que você aponta. Sempre soube que a "carcaça de ossos" era a responsável pela tua existência e será pelo resto dos teus dias. Nunca gostei dela e volto a repetir sem qualquer trava na língua. O fato é que as minhas palavras ferinas sempre lhe serviram de desculpa para que você afastasse qualquer indício de aproximação entre nós duas.

E se as minhas reivindicações - assim como as questões sobre o aborto e o divórcio - te dão enjôo é porque fomos incapazes de nos compreender. A questão sempre foi muito simples: eu quis muito mais do que você estava disposto a querer. E nessa balança ilógica, ouso afirmar que não cedi, mas sim que me dei muito mais do que você. De uma coisa Beto você tem absoluta razão: te entreguei perdulariamente o meu corpo, tentei exaustivamente te arrastar para os lugares que você se negava sequer a conhecer. Porque nunca, nunca mesmo me contentei com algo que fosse pela metade. Nunca. E nesse meu mergulho insano, você novamente recuou, pediu abrigo aos teus livros encardidos e quem sabe até para a tua mãezinha que você insiste em esconder atrás dos teus complexos mal resolvidos. E nesse corredor escuro meu caro, não estarei mais aí para segurar a tua mão trêmula e conduzi-la com tanto conhecimento de causa para a caverna quente, úmida e quase segura que você hoje se refere com tanto desdém.

E se continuo lhe importunando ainda com o meu barulho, prometo-lhe que será a última vez. Como aquela velha senhora, meu ventre murchou até ficar seco. A culpa não é tua Beto, mas da minha falta de persistência nesse mundo que não é só meu. Talvez seja o reflexo dessas minhas questões feministas ou ainda das minhas febres repentinas, no meio da noite, a implorar - contraditoriamente - para que apareça alguém que seja capaz de me governar. E hoje eu compreendo que esse senhor nunca foi você.

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NOS VEMOS LOGO ALI EM JANEIRO DE 2006...


5:11 AM -

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