terça-feira, janeiro 31, 2006 ---

SÉRIE "OS CORDEIROS"

[I]

"Não sabemos lhe informar, minha senhora. Lamentamos o ocorrido..."

Ela não mexia os olhos. Natureza morta, improdutiva, emoldurada pelo branco da parede. Placa de silêncio sentenciando o grito à evasão. Uma senhora pintada a traços interruptos, carvão e cinzas, dentro de um vestido de crepe, talvez guardado para uma ocasião especial. Vermelho, sua cor preferida, cabelos escovados com cuidado, uma correntinha banhada a ouro em torno do pescoço. Presente do marido, que agora deveria estar em casa, resmungando onde estaria ela, onde estaria a comida, a toalha e os pratos sobre a mesa. Deveria estar praguejando alguma coisa para o próprio nada. Assim como ela fazia agora.

"Por favor, a senhora é a mãe do menino? Então, é ou não a mãe do menino?"

Ela pendeu a cabeça para o lado em uma afirmativa que lhe doeu o estômago. Sua boca não se movia, embora o cérebro fosse capaz de produzir muitas palavras, compondo uma frase mal formulada, arredia, num português sujo e sem regras.

"Sim sou eu a mãe do menino. Estão satisfeitos seus merdas? Estão rindo do quê seus putos? Só porque a cria de vocês deve estar segura, porque afinal que mãe deixa um menino escapar assim das mãos? Que insanidade é essa que veda os olhos da fêmea por dois ou três segundos, estão ouvindo seus merdas de jalecos brancos? Que faz com que me olhem assim como alguém que não merecia sequer parir? Já sei o que vão dizer... Que lamentam, embora por dentro estejam desfiando um sorrisinho irônico, amputando os meus pés, me enterrando em cimento com tinta branca".

Em meio ao silêncio daquela senhora pálida e de vestido de crepe vermelho, balbuciaram qualquer coisa, trouxeram um copo de plástico com água e um comprimido de duas cores. Diziam para tomar num gole só e a seguravam como se fosse agora uma presa sob fúria, sem o menor discernimento, com o único direito de ficar calada. Os olhos pesavam e a única coisa que conseguia pensar é que chegando em casa, jogaria fora todos os seus vestidos vermelhos.


4:42 AM -

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