sexta-feira, fevereiro 03, 2006 ---

(II)
- SÉRIE "OS CORDEIROS" -


"Posso te bater?"
"[...]"
"Então, posso te bater?"
"Pode."

Ela fechou os olhos na expectativa de algo ensurdecedor. Uma dor quem sabe, anestesiada pela rapidez de um soco ou a pontaria certeira de um punho fechado, encerrando uma noite que já previa um fim. Ele preferiu a boca.

Os dentes cravaram a pele branca, corpo esguio e instigaram os instintos dela, aflorados em gemidos curtos e movimentos controlados. Desejava-o com um certo constrangimento e com uma imensa gula. Com os braços esticados e o corpo rijo, pôde sentir o peso de toda violência a estar além de qualquer hematoma. Eram os olhos dele sempre a fugirem da parcialidade que denunciavam as dores do parto. E ele a surrou com palavras, mãos firmes em seu pescoço, cheiro de álcool e nicotina. Em cima dos lençóis amarelados o cordeiro assumia a função do lobo.

Olhou-a nos olhos, como quem aponta a arma sem a intenção de atirar. Ela sorriu, porque as dores dele a feriam muito mais do que as do próprio corpo. Ele ficou por dez minutos observando-a, cheirando seus cabelos, brincando com as narinas, com os dedos das mãos. Tinha tanto medo que a abraçou com força. Dessa vez cheirava a sangue.

"Eu vou ter um filho", ele disse.

Ela novamente sorriu em meio à confusão das palavras dele. Queria saber o que dizer perante a indecisão de felicidade e desconforto. Ele deitado a sua frente sem as correntes, sem os pêlos, com um ventre que não era seu. Não sabia ao certo se pedia desculpas por estar ali, ou se o arrastava consigo. Ficou. E deixou que ele a devorasse por mais duas longas horas.


5:10 AM -

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