sexta-feira, fevereiro 10, 2006 ---

(III)
- SÉRIE "OS CORDEIROS" -



Pulou assustado da cama, olho arregalado, mãos segurando os lençóis. Sempre o mesmo pesadelo. A figura do pai, o defunto opaco de olhos vazios ainda com cheiro fresco de morte saltando-lhe às vistas. Só viu o pai morto assim, em sonhos. O caixão havia sido lacrado, restos de tortura não muito compreendidos na infância. Apanhou o maço de cigarros sobre o criado-mudo, olhou para a esposa que dormia ao lado e à medida que tragava, contemplava aquela que ironicamente também andava tirando o seu sono. Um sono que ele nunca teve.

"Puta que o pariu! Vou ser pai..."

Pensou tão alto que temeu que ela tivesse escutado. Estava definitivamente entre as flores e o ventre.

"Alimentem os vermes, alimentem os vermes!". De alimentos entendia como ninguém. Sugara o leite com instinto de sobrevivência. Agarrara-se ao peito com tanta força e ganância, que poderia ter necessitado de dois pares deles. E os tinha dentro da ineficiência da vida. Uma mãe zelosa e a outra insípida. Um pai morto e outro cansado de morrer.

A frase se repetia a todo o momento. Dentro da sua cabeça. Clara, decisiva. Consistente. Ele estava doente. Que agonia era aquela em forma de presente? Para alimentar de maneira tardia um laço assim que nunca fora amarrado de fato. Que não sabia ser filho parido no ato, nem foto, nem caco de memória. Invertida. A ficar agora na espera por um afeto estampado no corpo e na cara daquela ao seu lado. A desejar que o cordeiro possa algum dia, finalmente voltar para casa.


11:35 AM -

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