Os olhos dele bóiam para os lados até quase naufragar qualquer indício de esperança. Não é um olhar de "Me ajuda", porque ele não vê nenhum tipo de salvação. São olhos tristes, mas tão tristes, que refletem isso nos dela. Choram juntos. Ao mesmo tempo. E ela diz "Eu sinto muito, eu sinto mesmo. Que porra de vida é essa? Eu dou um jeito, levo você no colo, nas costas, para onde você quiser. Eu não ligo de ter que limpar a sua merda, juro, eu finjo que não sou eu, você nem vai perceber". Mas não dá. E ambos sabem disso. Ele diz que prefere dar um tiro na cabeça a ter que ver uma mulher fazendo isso. E ela pede para que ele a mande embora, que a solte no mundo, que invente uma mentira daquelas de fazer qualquer orgulho feminino desandar, coisas do tipo "Tenho outra", "Você não faz o meu tipo", e por aí vai. Mas ele não diz. Não inventa. E não a deixa ir. E nem ela quer. Ficam assim nesse dia nublado, vitimados por uma peça escrotamente pregada, uma piada que não tem a mínima graça. Um impasse. De frente para outro ainda dá tempo para um beijo com tristeza, cortado ao meio por uma faca bem afiada. Metade para Pedro. A outra, para Ana. Guardado na memória. Como santo, amuleto, sorte de primeiro rebento. A pedir em súplica diária que algo mude nessa história. Enquanto as chuvas caem lá fora. O milagre nunca vem.
Danilo e Laura
Ele a viu primeiro. Não conseguia tirar os olhos daquela que gesticulava como uma louca, ria com vontade e insinuava-se com naturalidade sobre aqueles que a cercavam. Ela bebia aparentando a tranqüilidade dos bêbados e o lirismo dos poetas. Fumava de forma compulsiva, escondendo o nervosismo atrás das unhas mal feitas e da segurança que lhe caía tão bem, quanto um certo nada lhe saía pelos poros. E o conjunto de superlativos que saltavam daquele corpo tão diminuto, o prendeu por dez, vinte minutos. Os pés formigavam e já não sabia se eram apenas a conseqüência de uma má postura ou simplesmente porque algo dentro dele gritava tanto por vingança, quanto por clemência. O círculo estava apenas começando, traço a traço. Apenas não sabia quem tocaria fogo primeiro.
Ela o viu mesmo sem saber que ele a tinha visto. Não de forma descritiva. Apenas aparente. De relance achou-o bonito, embora trouxesse entre uma linha e outra do rosto, um certo rastro de dor. À segunda vista, longe da fumaça e da escuridão, pôde sentir algo no estômago unido a uma atração causada pela aparência daquele que falava pouco e prestava atenção a tudo. Sorria aparentando a timidez dos desnudos e a dúvida dos traiçoeiros. Tinha força nas mãos e uma fragilidade quase inconsciente. Três círculos prateados em cada orelha, três situações de cada lado. A caçada havia começado. Só não sabia quem seria devoradoprimeiro.