terça-feira, maio 09, 2006 ---

2006




No cenário futurista não se verá pátios nem enfermarias. O quarto-forte será outro e ninguém lembrará que as mulheres que aqui habitam chegaram mesmo a existir. Nada de trapos nem tropas. Dizem que o mundo será bem melhor em 2006. As pílulas serão outras e não haverá dor que possa sequer existir. Não se ouvirá gritos. Moças serão sorrisos nas janelas, decotes nos vestidos, curvas precisas, sobreposições. Grandes golas, fendas à parte, plataformas a dedicar esperas. As chegadas serão sempre certas.

Amores expressos na fala meio torta, língua estrangeira, trens passageiros de lâmpadas acesas. Boleros latino-orientais nos compassos das ondas tecnológicas de 2006. Lá, dizem que as cicatrizes serão de platina, parte de um passado que não teremos notícias. Arquivados serão os sentimentos que se perderão, aos segredos, em buracos de velhas árvores. Ninguém precisará acreditar em milagres em 2006.

Sem espaços para metáforas, os rostos terão cores, cabelos aos montes, tudo será muito bem cuidado. Nada de rodas nas cadeiras, nem paralisias, pestes ou doenças. Ele caminhará até ela em 2006. Os recifes coloridos, a moça chinesa, moshi moshi ao telefone high tech, "vien aqui, yo te quiero", sem soros caseiros, a maquiagem intacta nos olhos riscados de preto, sedas vermelhas, as casas altas, bem altas, o vento. O vento não será sinônimo de maus tempos em 2006.

Filhos não serão feridos. Tudo poderá acontecer. Grandes pontes não serão empecilhos para que eles se vejam, o tempo lá será rápido, ninguém irá para nunca mais voltar em 2006. A palavra será moeda de troca, músicas darão a pauta de que a vida poderá ser bem simples de viver. Sem bombas ou ácidas chuvas. As vertigens serão apenas gritinhos histéricos de prazer. Os tetos abertos, as crianças poderão brincar lá fora, as moças estarão sempre cheirando a amoras. O homem toca o braço dela. Amores possíveis em 2006. Outros diagnósticos, nada de portões, grilhões nas finas canelas. As visitas serão freqüentes. Interiores decorados, agrados, belas telas nas paredes invisíveis, a fotografia impecável na grande angular dos enamorados. Exceto por uma moça aprisionada em uma tela. No moderno outdoor, parecerá que dança para um grande letreiro. Parecerá que fala sozinha. E parecerá que está feliz. Assim, a dançar estática, em preto-e-branco, propaganda enganosa, avessa a tanta modernidade. Uma moça de verdade. Na prisão dos velhos tempos. Olhando para um céu cinzento. E dirão os futuristas que aqueles que conseguirem se aproximar de tal fotografia poderão ouvir os sussurros, em língua latina, o que aquela moça quer dizer: "Tristessssssssa..."
O futuro será outro em 2006.


10:25 AM -

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