Quem dera o homem tivesse recolhido os restos que deixara ali no chão. Todo dia um pedaço de dedo, uma unha suja, um punhado de cabelos. Ossos amarelos, meio gastos, cárie e culpa nos dentes. No meio deles poucas folhas, só os fiapos, carne de segunda, às vezes carne de gente. E não tinha nenhuma higiene ou assepsia, no retalho ou na lida da cozinha. Era a pressa do desleixo, o rádio sacolejando na batida do martelo, cinza e graxa, dinamite na panela, pimenta de cheiro.
De fato era um porco. Nunca tivera modos. A criança muito menos.
Bastava o homem virar as costas, como num consentimento, que o garoto ia logo para o chão lamber os ossos e as pontas dos dedos. Cagava-se todo e nem era de medo. Ria mesmo por pirraça, paredes lameadas, o arremesso. E chutava o homem quando queria outro naco de carne, esperneava, cuspia e xingava. Feito gente grande.
De fato era um garoto. Nunca tivera modos. O pai muito menos.
Bastava o menino virar as costas, como num pressentimento, que o pai ia logo separando os melhores pedaços, escondendo-os nas gavetas, nos potes, nos armários, dentro dos sapatos, embrulhados nos lenços. E gozava do menino, no menino, por desgraça, sol, cachaça, quem sabe os santos já não fossem os mesmos. Feito prece que desata. Feito nó. Feito desapego.
De fato era um pai. Nunca tivera modos. A criança muitos medos.